quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A Espantosa Realidade das Coisas



A espantosa realidade das coisas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada coisa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.

Hei de escrever muitos mais. naturalmente.

Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra,

Gosto dela porque ela não sente nada.

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes ouço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;

Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,

Nem idéia de outras pessoas a ouvir-me pensar;

Porque o penso sem pensamentos

Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,

E eu admirei-me, porque não julgava

Que se me pudesse chamar qualquer coisa.

Eu nem sequer sou poeta: vejo.

Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:

O valor está ali, nos meus versos.

Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

Alberto Caeiro

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Se Você Me Ama - Zeca Baleiro


Se você me ama
Mama no meu peito
Corta minha unha
Lava meu cabelo
Cura essa ferida
Sara essa coceira
Planta bananeira
Se você me ama
Tempera meu rango
Com tango e bolero
Veste amarelo
Raspa a sobrancelha
O que der na telha se você me ama

Se você me adora
Como diz que adora
Calça meu sapato
Come no meu prato
Me leva pra rua
Me leva pra lua
Me leva embora
Se você me adora
Tira meu sossego
Persegue meu fado
Canta um reisado
Pula do telhado
O que der na telha se você me adora

Se você me ama
Toca a campainha
Acorda o edifício
Põe fogo no hospício
Sobe a prateleira
Grita, dá bandeira
Passa um telegrama

Se você me ama
Usa a minha blusa
Abusa do meu ar blasê
Rouba o caminhão
Me põe na boléia
O que der na idéia se você me ama

Se você me adora
Faz doce no tacho
Acha minha sombra
Entre os escombros
Tira meu retrato
Bebe o meu sangue
Me afoga no mangue
Se você me adora
Morde minha isca
Belisca meu lombo
Toca um blues rasgado
Rasga a odisséia
O que der na idéia se você me adora

O que der na telha se você me ama

O que der na telha se você me adora

O que der na telha se você me ama

Me adora, me ama...