segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Paixão
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Simone de Beauvoir
Quando isso acontece aos outros, parece um acontecimento limitado, fácil de contornar, de ultrapassar. E fica-se absolutamente só, em uma experiência vertiginosa que a imaginação nem sequer pode vislumbrar. (...) Esse leito vazio ao meu lado, essas cobertas lisas e frias... Não adianta tomar soníferos, eu sonho. Freqüentemente, nos sonhos, eu desmaio de tristeza. Fico lá, sob os olhos de Maurice, paralisada, tendo sobre o meu rosto toda a dor do mundo. Espero que ele se precipite para mim. Atira-me um olhar indiferente e se afasta. Acordei. Era ainda noite, eu sentia o peso das trevas, estava num corredor e o adentrava, ele se tornava cada vez mais estreito, eu quase não respirava, breve teria que me arrastar e ali ficaria incrustada até que expirasse. Urrei. E comecei a chamá-lo mais docemente, em lágrimas. Todas as noites eu o chamo: não ele, o outro, aquele que me amava. E me pergunto se não preferiria que estivesse morto. Eu me dizia: a morte é o único mal irreparável. Se ele me deixasse, eu sararia. A morte era horrível por ser possível, a ruptura suportável porque não a imaginava. Mas de fato, eu me digo, se ele estivesse morto, eu saberia ao menos quem perdi e quem eu sou. Não sei mais nada. Minha vida, atrás de mim, está toda destruída, como nesses terremotos em que a terra se devora a si própria: ela se esboroa, às nossas costas, à medida em que fugimos. Não há mais retorno. A casa desapareceu, e a vila e o vale todo. Mesmo que você sobreviva, nada mais resta, nem mesmo o lugar que ocupou sobre a terra.(...)
Por que não mais me ama? É necessário saber por que me amou. Não se faz a pergunta. Mesmo que não se seja nem orgulhosa, nem narcisista, é tão extraordinário ser a gente, justamente a gente, é tão único, que parece natural ser-se único também, para outrem. Ele me amou, é tudo. E para sempre, pois que seria sempre eu. (E eu me espantei, em se tratando de outras mulheres, dessa cegueira. Curioso que não se possa compreender a própria história, senão se auxiliando com a experiência dos outros — que não é a minha, que não me ajuda.).
Fantasmas idiotas. O filme visto quando eu era pequena. A esposa ia encontrar-se com a amante do marido: "Para você ele só é um capricho. Eu o amo!" E a amante, comovida, enviava-a em seu lugar, ao encontro noturno. Na obscuridade, seu marido tomava-a pela outra e de manhã, todo confuso, ele lhe voltava.
Trecho do "A Mulher Desiludida".