quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Simone de Beauvoir



Quando isso acontece aos outros, parece um acontecimento limitado, fácil de contornar, de ultrapassar. E fica-se absolutamente só, em uma experiência vertiginosa que a imaginação nem sequer pode vislumbrar. (...) Esse leito vazio ao meu lado, essas cobertas lisas e frias... Não adianta tomar soníferos, eu sonho. Freqüentemente, nos sonhos, eu desmaio de tristeza. Fico lá, sob os olhos de Maurice, paralisada, tendo sobre o meu rosto toda a dor do mundo. Espero que ele se precipite para mim. Atira-me um olhar indiferente e se afasta. Acordei. Era ainda noite, eu sentia o peso das trevas, estava num corredor e o adentrava, ele se tornava cada vez mais estreito, eu quase não respirava, breve teria que me arrastar e ali ficaria incrustada até que expirasse. Urrei. E comecei a chamá-lo mais docemente, em lágrimas. Todas as noites eu o chamo: não ele, o outro, aquele que me amava. E me pergunto se não preferiria que estivesse morto. Eu me dizia: a morte é o único mal irreparável. Se ele me deixasse, eu sararia. A morte era horrível por ser possível, a ruptura suportável porque não a imaginava. Mas de fato, eu me digo, se ele estivesse morto, eu saberia ao menos quem perdi e quem eu sou. Não sei mais nada. Minha vida, atrás de mim, está toda destruída, como nesses terremotos em que a terra se devora a si própria: ela se esboroa, às nossas costas, à medida em que fugimos. Não há mais retorno. A casa desapareceu, e a vila e o vale todo. Mesmo que você sobreviva, nada mais resta, nem mesmo o lugar que ocupou sobre a terra.(...)

Por que não mais me ama? É necessário saber por que me amou. Não se faz a pergunta. Mesmo que não se seja nem orgulhosa, nem narcisista, é tão extraordinário ser a gente, justamente a gente, é tão único, que parece natural ser-se único também, para outrem. Ele me amou, é tudo. E para sempre, pois que seria sempre eu. (E eu me espantei, em se tratando de outras mulheres, dessa cegueira. Curioso que não se possa compreender a própria história, senão se auxiliando com a experiência dos outros — que não é a minha, que não me ajuda.).

Fantasmas idiotas. O filme visto quando eu era pequena. A esposa ia encontrar-se com a amante do marido: "Para você ele só é um capricho. Eu o amo!" E a amante, comovida, enviava-a em seu lugar, ao encontro noturno. Na obscuridade, seu marido tomava-a pela outra e de manhã, todo confuso, ele lhe voltava.

Trecho do "A Mulher Desiludida".

3 comentários:

Chay Fernandes disse...

Eu estava muito absorta em teorias de amor, nessa madrugada. Algo muito fácil de desenvolver quando não se estar amando.

Braz disse...

Ei, por recomendação sua li parte do livro, "Ela e outras mulheres de Rubem Fonseca", devo lhe confessar que eu adoraria que aquela professora da primeira história tivesse ensinado na etepam na década de 90, rsrsrs

um abraço,
Braz

Chay Fernandes disse...

hahahahaha Eu acho que o mundo seria melhor se fossemos todos assim mais altruístas!