segunda-feira, 2 de julho de 2007

Clarice Lispector

Água Viva (um trecho)

Tenho que interromper para dizer que "X" é o que existe dentro de mim. "X" - eu me banho neste isto. É impronunciável. Tudo que não sei está em "X". A morte? a morte é "X". Mas muita vida também pois a vida é impronunciável. "X" que estremece em mim e tenho medo de seu diapasão: vibra como uma corda de violoncelo, corda tensa que quando é tangida emite eletricidade pura, sem melodia. O instante é impronunciável. Uma sensibilidade outra é que se apercebe de "X".

Espero que você viva "X" para experimentar a espécie de sono criador que se espreguiça através das veias. "X" não é bom nem ruim. Sempre independe. Mas só acontece para o que tem corpo. Embora imaterial, precisa do corpo nosso e do corpo da coisa. Há objetos que são esse mistério total do "X". Como o que vibra mudo. Os instantes são estilhaços de "x" espocando sem parar. O excesso de mim chega a doer.

E quando estou excessiva tenho que dar de mim. Como o leite que se não fluir rebenta o seio. Livro-me da pressão e volto ao tamanho natural. A elasticidade exata. Elasticidade de uma pantera macia.

Uma pantera negra enjaulada. Uma vez olhei bem nos olhos de uma pantera e ela me olhou bem nos meus olhos. Transmutamo-nos. Aquele medo. Saí de lá toda ofuscada por dentro, o "x" inquieto. Tudo se passara atrás do pensamento. Estou com saudade daquele terror que me deu trocar de olhar com a pantera negra. Sei fazer terror.

"X" é o sopro do it? é a sua irradiante respiração fria? "X" é palavra? A palavra apenas se refere a uma coisa e esta é sempre inalcançável por mim. Cada um de nós é um símbolo que lida com símbolos - tudo ponto de apenas referência ao real. Procuramos desesperadamente encontrar uma identidade própria e a identidade do real. E se nos entendemos através do símbolo é porque temos os mesmos símbolos e a mesma experiência da coisa em si: mas a realidade não tem sinônimos.

2 comentários:

Chay Fernandes disse...

Por mil vezes pensei em reclamar da ausência de outros... da falta de inteiração, doação, afeto. Por poucas vezes sou iluminada pela resposta de cada um faz o que gosta. Tem perto de si aqueles aos quais se complementam. Tenho grande resistência ao assumir “não faço mais parte” “não mais me convém”, no entanto, uma vez aceito... sai da garganta com um grito agudo: Liberdade! Estou livre do ter que fazer cena, ter que parecer interessada, ter de me preocupar. Adoro a onda cíclica da vida.... a cada volta, percebo que me aproximo mais do que sou eu... deixando pelo caminho a possessão, o preconceito as limitações do social-mesquinho e pequeno... livre para amar o que gosto e quem eu quero!!!

Anônimo disse...

Esse "X" está e [e ao mesmo tempo. Muito bom.